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Sobreviventes do cárcere discutem abolicionismo penal e gênero

Mulheres com passagem pelo sistema prisional relatam como enfrentaram a punição e denunciam violações e falta de livros nos presídios


Equipe Liberta UFABC

 


A quarta aula do curso Educação Transforma Liberta e Emancipa Vidas, da Universidade Federal do ABC, ministrada pela socióloga Rosângela Teixeira, debateu punição e gênero. A partir da obra da ativista e filósofa Ângela Davis, Rosângela explicou o abolicionismo penal, corrente teórica que luta pelo fim dos presídios e os efeitos das prisões sobre mulheres encarceradas. “A ideia do fim das prisões gera polêmica e incômodo. Muitos ativistas desejam reforçar as condições penitenciárias”, explica a professora. “É preciso pensar em projetos para melhorar a vida de pessoas em situação de cárcere, mas ter no cerne a luta por uma sociedade sem grades, com condições dignas de educação.”


A socióloga e professora da UFABC, Alessandra Teixeira, afirma que há uma grande dificuldade em se imaginar a sociedade sem presídios. “Na verdade, não existiam prisões antes do capitalismo. Por isso, é necessário pensar que, historicamente, há toda uma lógica atrelada ao nosso sistema econômico que mantém esses espaços. Como fazer para se chegar a esse horizonte é a provocação”, diz ela. A aluna Cynthia acredita que o abolicionismo penal pode ser alcançado a partir de uma mudança profunda na sociedade. “É um objetivo que depende de uma transformação das pessoas que naturalizam a existência das prisões como recurso ideal para lidar com os conflitos com a lei.”


Já a estudante Miriam acredita que, sem políticas públicas para amparar a população egressa do sistema prisional, ainda não é possível pensar no fim das penitenciárias. “Num país sem oportunidades como o Brasil é um debate complexo. Fico muito triste em ver as pessoas saírem e ficarem em ‘prisões a céu aberto’. É muito triste ir à Cracolândia e ver aquele cenário semelhante a um regime semiaberto.”, diz ela. Para ela, a luta pela extinção de espaços de privação de liberdade deve ter início com o investimento em educação. “Penso que se deve melhorar o que existe para depois pensar no fim dos presídios.”


Tempestade, sobrevivente do sistema prisional que ajuda mulheres presas a escrever cartas para a Defensoria Pública de São Paulo, afirma que é importante preparar profissionais de áreas jurídicas para dar apoio às populações encarceradas. “O primeiro passo seriam os mutirões da Defensoria dentro dos presídios para começar a retirar pessoas que podem cumprir regime semiaberto”, afirma. “Esses profissionais deveriam revisar sentenças de quem está na cadeia. O encarceramento só revolta as pessoas.”


A aluna Elani destaca que desde a infância e a adolescência algumas pessoas têm a vida marcada por passagens em instituições. “Muitas crianças cuidadas por irmãos são levadas por conselhos tutelares para abrigos e negligenciadas. Dentro do cárcere e das instituições, eles investem em coisas para maquiar a realidade.” Por isso, a socióloga e coordenadora do curso, Camila Nunes Dias, explica que a abolição das prisões deve ser considerada em um horizonte de transformação. “É uma discussão baseada em outras lógicas que não a liberal e capitalista.”


Quem define o que é crime


A aluna Silvana levanta a questão sobre o que é um crime e como as penalidades são concebidas. “Quem define como crime quem rouba um chocolate e quem é um traficante”, pergunta. “Há todo um processo político para criminalizar determinados atos e pessoas e não criminalizar outros segmentos”, afirma a coordenadora do curso. Para Alessandra, trata-se de um processo histórico. “No momento em que a burguesia se torna dominante, ela requalifica os ilegalismos, que, por sua vez, servem para as pessoas acreditarem que todo mundo é igual. Mas, quanto mais desigual for um país mais desigual será o seu Direito Penal.”


A aluna Ana Paula afirma que um dos objetivos do sistema prisional é mostrar a determinadas populações quem está no controle e no poder. “Serve de exemplo de controle, eles querem mostrar à população pobre quem manda e quem tem que obedecer. Se não obedecer, o sistema está aguarda a entrada.”


Violações e falta de condições


As alunas relatam que as violações no dia a dia dos presídios vão desde a falta de livros em bibliotecas até humilhações físicas com processos de revista. Cynthia lembra que tinha que passar por revistas pelo menos quatro vezes por dia antes de participar das atividades propostas pelo presídio. “Não é só o direito de ir e vir que é tirado, mas o direito de ser. Nosso corpo acaba sendo massa de manobra para que as pessoas que estão na gestão exerçam seus micropoderes.”


Esses procedimentos desestimulam muitas mulheres presas a participarem das atividades oferecidas nos espaços prisionais. “A pessoa presa não vai querer frequentar a escola ou o curso oferecido do cárcere. Muitas falam ‘eu vou pra escola nada, todo dia tenho que tirar a roupa’ e com isso fica o entender da sociedade de que lá dentro tem escolas e cursos e a gente não quer nada.”


Natália relata que o acesso aos livros também é dificultado. “Se você está lendo com outra mulher, as duas vão para o castigo. Às vezes, não dá nem para emprestar. Só quando aparecem os Direitos Humanos”, diz. Outra aluna afirma que as mulheres em situação de cárcere não têm informações sobre os livros disponíveis nos acervos. “Só quando as companheiras trazem algum aleatoriamente ou algum grupo religioso leva.” Diante disso, Rosângela ressalta que é preciso questionar qual o destino desses livros. “Eles têm um potencial revolucionário, têm o potencial de derrubar sistemas políticos.”


Nesse sentido, a socióloga afirma ainda que os movimentos feministas precisam incluir em suas reivindicações a luta por um mundo sem prisões. “O feminismo deve servir para pontuar a prisão como um local de punição e pautar a nossa luta de mulheres. É uma história de muitas lutas que estão presentes até hoje contra esse sistema de morte.”

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