Alunas debatem formas alternativas de fazer jornalismo e falam sobre como utilizaram a escrita para sobreviver ao isolamento no cárcere
Equipe Liberta UFABC
Mulheres que passaram pelo sistema prisional de São Paulo e seus familiares participaram da oficina de jornalismo e escrita criativa, que ocorreu no sábado (14), de forma virtual em mais um encontro do curso Educação Liberta, Transforma e Emancipa Vidas, da Universidade Federal do ABC. A aula ministrada pela jornalista Fabíola Perez abordou formas alternativas de produção jornalística, mídias independentes e diferentes meios de utilizar a escrita como forma de resistência em contextos de precariedades.
O encontro debateu ainda a cobertura dos grandes veículos de imprensa sobre determinados temas. Abordagens policiais, como a que ocorreu em dezembro de 2019, em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, demonstram que, não raro, veículos jornalísticos narram as atuações truculentas da polícia em detrimento do sofrimento e traumas gerados às famílias das vítimas. Nesse contexto, uma das alunas destacou o papel dos aparelhos celulares como instrumentos de transformação na narrativa jornalística. “Hoje, o vídeo é a nossa maior arma para tentar diminuir a injustiça social que diz que todo pobre é bandido”, afirma Patty.
O conceito de objetividade no jornalismo também foi debatido pelas participantes. “Existe a subjetividade das pessoas envolvidas, os interesses de órgãos envolvidos e possibilidades de divulgação, além da relação entre quem diz e quem ouve e as interpretações nessa relação”, afirmou Cynthia. A fundadora da Libertas Cooperativa, Geralda Ávila, defende que é preciso olhar “por trás da notícia” e refletir sobre quais interesses estão envolvidos. As alunas também lembraram das abordagens sensacionalistas de determinados veículos. “O jornalismo é uma arma importante que devemos usar de forma consciente”, diz a estudante Eliana.
A jornalista Fabíola, que também pesquisa o sistema socioeducativo pela UFABC, explicou as diferenças entre jornalismo hegemônico e contra hegemônico. “O primeiro tem como objetivo reverberar a voz e os discursos dos detentores do poder. Já o segundo tem o intuito de pensar a comunicação social a partir da narrativa das populações oprimidas”, afirma. Nesse sentido, para a jornalista, é importante buscar novas formas de produção de conteúdo a partir da democratização da informação.
A produção de conteúdo jornalístico contra hegemônico possui pontos positivos como o uso de diferentes plataformas e a autonomia em relação ao veículos tradicionais de imprensa, como a televisão, o rádio e os jornais. Mas, ainda enfrenta dificuldades como a falta de recursos. Exemplos de narrativas independentes são o Nós, Mulheres da Periferia, que relata histórias de vida de mulheres que vivem em regiões periféricas, e o SP Invisível, que narra trajetórias de pessoas que sofrem com a invisibilidade social.
A escrita como resistência
Escrever contos, poesias, poemas, relatos e histórias são formas de colocar sentimentos, denúncias e afetos no papel. “A escrita é um registro afetivo do mundo que gera memória e cultura”, afirma Fabíola. “Uma boa escrita depende de um olhar atento, curiosidade e uma boa escuta do outro.” Para a aluna Tempestade, a redigir cartas é um caminho para sobreviver ao cárcere. “A escrita dentro do sistema é a maior resistência que existe”, diz ela, que enquanto cumpria pena passou a escrever para mulheres presas que não haviam sido alfabetizadas.
No sistema prisional, a escrita é um tipo de relato do que as mulheres observam no dia a dia nas unidades. A aluna Cynthia conta que o pai criou um blog durante o período em que ela esteve no cárcere. Enquanto cumpria pena em uma penitenciária do Ceará, a família de Cynthia vivia em São Paulo. As cartas eram a única forma de comunicação e manutenção dos vínculos afetivos. Segundo ela, suas correspondências eram censuradas, riscadas ou entregues incompletas. “Às vezes, nunca chegavam. Passei a me adestrar para escrever para que elas chegassem e fossem lidas pelo meu pai”, diz. “É importante enfrentar essas formas de controle, para que nossa mensagem chegue para quem está do lado de fora dos muros”. Tempestade também relatou ter tido cartas censuradas enquanto cumpria pena em São Paulo. A aluna Cássia passou pela mesma experiência e ressaltou que a escrita é uma ferramenta fundamental para enfrentar situações de precariedade. “Ela te permite entrar em lugares onde você não consegue entrar”, disse ela.
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