Encontros têm como objetivo contribuir para autonomia e emancipação de mulheres que passaram pelo cárcere; primeira aula debateu gênero e punição Equipe Liberta UFABC
A informação muda a vida. A frase de Geralda Ávila, coordenadora da Libertas, cooperativa de costura formada por mulheres egressas do sistema prisional sensibilizou alunas, professoras e pesquisadores reunidos virtualmente para a aula inaugural do curso Educação Transforma, Liberta e Emancipa UFABC, na manhã deste sábado (17). O encontro reuniu cerca de 50 pessoas de diferentes estados para trocar experiências sobre o cárcere. “Estou muito emocionada. Isso é um marco, é a oportunidade que as meninas precisam. É o único caminho para mudar a vida”, disse Geralda. “O abolicionismo penal total se constrói dessa forma, munindo as pessoas de informação e conhecimento. Falar sobre direitos é muito importante porque o cárcere é um mundo obscuro e a prisão vai muito além do cárcere.” A coordenadora da Libertas lembrou ainda que as mulheres são ainda mais discriminadas no sistema prisional porque sobre elas recaem uma série de sobrecargas, como o cuidado com filhos e maridos. O objetivo do curso, segundo a coordenadora e professora da UFABC Camila Nunes Dias, é abrir a universidade pública para mulheres com vivências no cárcere como um espaço de produção de conhecimento, transformação social e autonomia. “A ideia é levar a universidade para um público historicamente marcado pela falta de acesso”, afirmou Camila. “Que esse curso seja só um primeiro passo para que a universidade possibilite a superação e a mudança.” O professor de Direito Penal David Pimentel ressaltou que a punição vai além do cumprimento da pena privativa de liberdade. “Ela se estende e se perpetua não apenas ao apenado e apenada, mas a todo o microcosmos e o universo que compõe o núcleo familiar dessas pessoas. Nossa ideia é trazer informações para que elas possam se emancipar juridicamente”, afirma. A professora Regimeire Maciel, coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFABC, esclareceu que é necessário compreender a racialização inerente a esse processo. “É preciso perceber a cor e a raça dessas pessoas e entender isso como um processo não natural, mas como resultado de decisões políticas e econômicas”, disse ela. A socióloga Rosângela Gonçalves ressaltou que as mulheres no cárcere enfrentam situações como a atuação de grupos de repressão, menor tempo em visitas íntimas e processos de medicalização.. “É um encontro muito potente. A ideia é termos uma troca para entender como diante de tantas crises que vivemos esse espaço pode ser um lugar de trocas. A educação realmente muda as pessoas. Estamos aqui para nos emancipar. A educação é a melhor ferramenta para mudar o país”, afirmou Camila Felizardo, estudante de Serviço Social e sobrevivente do sistema prisional. A aluna e representante do coletivo Nós Por Nós, Batia, ressaltou que a comunicação e a informação são fundamentais para a libertação das mulheres que passaram pelo cárcere. “Nunca tivemos essa informação. Para nós, mulheres pretas e periféricas, a informação, a comunicação e a boa leitura sempre foram proibidas. Essa formação sendo uma mulher preta dentro da periferia é muito difícil. É o que estamos esperando há muitos anos. Eu fui punida por brigar por leituras e escolas dentro da cadeia.” Miriam, mestranda da UFABC, afirma que o curso é uma oportunidade para sobreviventes, mães e familiares. “Sou mãe de um filho assassinado, mãe de outro que saiu da cadeia e adoeceu. Só no meu quintal foram seis jovens que morreram”, diz. “Falo como alguém que vivia essa realidade desde a Febem. Não somos objetos ou mercadorias, estamos cansadas de ser criminalizadas”, disse. “A sociedade precisa entender que não somos um erro, pagamos e isso não deve se perpetuar”, afirmou Rosiane, sobrevivente do cárcere e graduanda em Educação Física em Natal (RN). A pesquisadora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), integrante do Coletivo Todas Unidas e sobrevivente do cárcere Ana disse que pela primeira vez a academia cumpre seu papel de democratização do conhecimento. “É interessante ver como algumas mulheres puxam outras para esses espaços. É a primeira vez que vejo a gente se transformar de objeto em sujeito”, disse Cynthia, mestranda pela Universidade Federal do Ceará. “O que mudou a minha vida foi frequentar uma universidade. Eu saia de um presídio as 5h e ia assistir aulas na faculdade.” A advogada, socióloga e professora da UFABC, Alessandra Teixeira, ministrou a primeira aula sobre feminismo, gênero e direito das mulheres. “Não existe ‘um feminismo’, existem diversos feminismos. Ser feminista é o grande passaporte para se ver no mundo igualdade”, disse ela. Alessandra abordou questões como a divisão sexual do trabalho, violência doméstica e de gênero, direitos sexuais, reprodutivos e sexualidade. O curso teve 150 inscrições.
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